25. Dezembro 2023

Guardiola e Mourinho, pelo olhar de Rui Lança - Fair Play

Guardiola e Mourinho, pelo olhar de Rui Lança

António Pereira RibeiroOutubro 6, 20167min0
António Pereira RibeiroOutubro 6, 20167min0

Que características distintivas fazem com que dois dos melhores treinadores de futebol da actualidade se destaquem dos demais? E que tendências comportamentais os separam um do outro? Rui Lança, especialista na áreas de liderança e coaching, procura dar resposta a estas questões no seu mais recente livro, ‘Guardiola + Mourinho – Mais do Que Treinadores’. O Fair Play decidiu entrevistar o autor, com o intuito de levantar a ponta do véu de uma obra essencial sobre a arte da liderança.

fp. Em ‘Guardiola + Mourinho – Mais do Que Treinadores’, exploras as diferenças existentes entre o tipo de liderança de Mourinho e de Guardiola. Como é que nos podes descrever sinteticamente as principais diferenças entre estas duas figuras?

RL. Acredito que tenham também eles muitas coisas em comum, até porque a este nível de competição e competitividade existirão muitos denominadores comuns. Diferenças: Mourinho aponta mais à cabeça dos jogadores e Guardiola ao coração. O que isto quererá dizer? Mourinho mais estratega no que diz respeito ao fazer sentido das acções colectivas, a ter uma causa que seja superar-se a alguém, enquanto Guardiola mais visionário em termos daquilo que quer superar o seu próprio desempenho e da sua equipa. Do ponto de vista comunicacional, Mourinho muito perspicaz e com isso antecipa muito o que tem de ser feito e dito para alcançar os seus objectivos, enquanto Guardiola continua a ser mais genuíno, apesar de ter alterado algumas coisas durante a sua passagem por terras alemãs.

fp. No meio de tantas diferenças, existe espaço para semelhanças? Quais são as que mais se destacam?

RL. Foco, disciplina de trabalho, exigência, colectivo sempre à frente do individual. Diriam que são estas as principais semelhanças.

fp. Qual é a metodologia de trabalho possível para quem não tem acesso privilegiado aos balneários onde estes treinadores operam? Como obtiveste o material empírico necessário para corroborar as conclusões da investigação?

RL. Esta questão agrupa duas enormes e importantes questões: O ser humano naquilo que são as ciências sociais, onde se agrupa as nossas lideranças e comportamentos individuais e colectivos é constituído pelas nossas cognições, crenças e emoções. Ou seja, o que fazemos, o que pensamos e o que sentimos durante as acções ou sobre os respectivos pensamentos. E aqui, goste-se ou não, é possível visualizar, aferir acções através de indicadores, analisar e perceber quais os padrões de acções. Crenças ou opiniões sobre determinados assuntos é possível perceber através de entrevistas e intervenções dos treinadores. As sensações são as mais complexas e difíceis de aferir. Depois, existe este lado de quem faz e existe o lado de quem está a ser liderado e por isso é possível averiguar muita informação através dos outros. Se um treinador diz que o que pensa sobre determinado assunto e os atletas corroboram é uma coisa. Se um treinador diz que numa determinada situação faz A porque acredita que é o melhor, e vinte atletas dizem que nessas situações o treinador faz B, há indicadores de incoerência comportamental. Resumindo, estar com as pessoas é sempre muito melhor. Mas não deixa de ser deturpado, porque é a nossa visão sobre o comportamento. Por isso o ideal é também fazer o cruzamento de conteúdos de intervenções e entrevistas, que juntamente com observações de jogos, acções, entrevistas, nos dá mais informação. E como deve ser fácil compreender, material sobre estes dois treinadores é o que não falta!

fp. Conta-nos alguns episódios verídicos que retratem a forma de trabalhar dos dois técnicos.

RL. Há muitos. Seria difícil escolher o melhor, até porque o livro foca as áreas da comunicação, liderança, gestão de objectivos, egos, conflitos, retóricas, motivação e equipas. E estes treinadores têm denominadores comuns mas também têm um talento enorme, que é serem flexíveis. Um mais do que o outro na minha opinião, mas existem muitos episódios. E hoje, Mourinho é menos fora da caixa do que era, surpreende-nos menos. Guardiola menos genuíno e com isso, na minha opinião, aproximou-se mais de alguma autoridade imposta e não sempre reconhecida, até porque seria difícil fora do mundo Barça ele manter aqueles estilos.mw-680

fp. Existem plantéis perfeitos para Mourinho e Guardiola? Com que tipo de personalidades encaixam melhor?

RL. Diria que o plantel perfeito para Mourinho foi o do seu 1.º Chelsea e o do Inter. Que nem foram os melhores conjuntos de jogadores que ele teve à sua disposição. Mas percebendo a questão, eram jogadores que queriam demonstrar algo ‘aos outros’, queriam provar que estavam vivos. E que acreditavam que Mourinho os ia levar a esse local sagrado. Jogadores com técnica, mas acima de tudo, com níveis de atitude elevados ao máximo. Guardiola por aquilo que são os seus ‘êxtases’ de querer reinventar-se e o que as suas equipas produzem, Barcelona só houve um. E este City que até se reforçou de um modo meio estranho, está a dar uma prova daquilo que é um dos maiores talentos do catalão: o pensamento comum nas equipas, colocar rapidamente todos a perceber o que ele quer. Se o conseguem concretizar, é outro ponto.

fp. Para além destas duas figuras incontornáveis do futebol mundial, existe algum treinador que se aproxime do nível de Guardiola e de Mourinho?

RL. A velha discussão do que é um grande treinador…a sociedade apenas os avalia pelo resultado infelizmente. No futebol existem alguns que são apaixonantes também e com diferentes estilos e perfis. O Simeone, Tuchel, Ancelotti, etc. Mas depois existem casos como o ex-treinador do Sevilha que vence muito com aquele plantel, chega ao PSG e parece que uma equipa com mais do que condições para passear em França, perde fulgor. A verdade é que se queremos avaliar pelos títulos, é uma coisa. Pelos processos existem muitos interessantes de acompanhar. Até em Portugal.

fp. Sobre a actual luta entre os dois na Premier League, quem vai levar a melhor? Por alguma razão especial?

RL. A viagem é longa e no início da Liga Mourinho disse que seria melhor eles não se preocuparem apenas um com o outro. Fevereiro e Março fazem muito estrondo naquela Liga, por isso, depende se o City vai estar em condições de atacar a Liga dos Campeões e como vai decorrer o suposto passeio do United pela Liga Europa. Não aposto em nenhum, mas apostaria que Arsenal e Tottenham podem intrometer-se.

fp. Aproveitando o mote do teu título, resolve-nos a seguinte operação matemática. Guardiola mais Mourinho é igual a…

RL. Novas descobertas e boas naquilo que é a liderança nos seres humanos e a capacidade inigualável que o desporto nos dá, que é colocar muitos egos enormes a lutarem por um objectivo comum. Guardiola e Mourinho dar-nos-ão durante alguns anos matéria interessante para se estudar e aprender.

Rui Lança é Coach e Formador nas áreas do Coaching Individual e de Equipas, Liderança de Equipas em empresas, equipas desportivas ensino universitário. Coordena formação na área dos treinadores, líderes e equipas de trabalho e desportivas. Autor de diversos livros entre eles o ‘Coach to Coach’, ‘Reservado’, ‘Como formar equipas de elevado desempenho’. Colaborações regulares na comunicação social portuguesa na área motivacional, desportiva e de equipas. Para mais informações sobre o autor, pode consultar a sua página oficial.

António Pereira Ribeiro

Produtor de conteúdos por natureza e definição. Autor do blog 'Soccer em Português', página que espelha o meu entusiasmo pelo futebol nos EUA, e do projecto 'Com Sabor a Povo e a Romance', sobre a história do Clube Oriental de Lisboa. Adepto incondicional de Eugène Ionesco.


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