Em L’Aquilla, em Itália, mora um “mini” português que tem objectivos de “gigante”. Francisco G. Vieira, jogador da Seleçcão Nacional de 7’s e XV, conta a sua história, os seus episódios mais “cómicos” e explica qual é a sua forma de estar no rugby. Uma entrevista em exclusivo do Fair Play
. Francisco, porquê a alcunha de Mini? E os italianos do Gran Sasso já arranjaram uma correspondência em italiano?
FGV. Mini vem de Mini-Vieirinha, que é a alcunha completa. Foi me dada por um treinador do meu irmão mais velho por achar que eu era a sua versão em miniatura. Naturalmente foi evoluindo para Mini por ser mais rápido e fácil de dizer e, apesar de já não se adequar hoje em dia (risos), ficou!
Por aqui, para já, ainda não houve correspondência e todos me chamam Franci ou simplesmente Fra, é mais fácil.
. Como foi chegar a Itália? Estás a gostar dos primeiros meses em L’Aquilla?
FGV. Foi difícil! Um recepção que ninguém pode esperar ou sequer imaginar, 1 semana em L’aquilla e já tinha experienciado temperaturas negativas, “preso” em casa com as ruas bloqueadas de neve e pior, terramotos, vários!! Apesar de tudo, ultimamente tem estado mais calmo e com bastante sol e nestas condições atmosféricas é de facto uma maravilha viver a paisagem inspiradora, calma e serena em que estou inserido.
. Para os nossos leitores explica em que divisão jogas e como se “vive” o rugby em Itália?
FGV. Jogo na série A, que é a 2ª divisão Italiana. A 1ª fase do campeonato é constituída por 4 grupos de 6 equipas com uma distribuição de equipas por proximidade, ou seja, quase como se fosse um campeonato regional jogado a 2 mãos.
Na 2ª fase do campeonato, é mantida a estrutura dos 4 grupos contudo há uma reorganização, formando 2 grupos que vão lutar por um play-off de acesso (jogo entre os vencedores dos 2 grupos) à 1ª divisão (Campeonato Excellenza que é totalmente profissional) e outros 2 grupos que vão lutar pela manutenção.
Para a Excellenza apenas sobe uma equipa e consequentemente desce outra, enquanto que para a série B descem 4 equipas, tornando a luta pela manutenção bastante interessante. Neste momento o Gran Sasso Rugby está inserido no grupo de equipas que luta pela manutenção.
Sendo uma seleção que joga as 6 nações e é presença regular em Mundiais, penso que, comparando com Portugal, há um maior conhecimento do que é o rugby, há mais adeptos e os clubes têm uma melhor estrutura tanto física como financeira à volta da equipa. L’Aquila é uma cidade com história no rugby Italiano e pelo que vou vendo, o Rugby é Rei nesta cidade.
Os Jogadores não são vistos como superestrelas, mas sente-se um olhar de respeito e de alguma admiração pelas pessoas da cidade. Por exemplo, no ginásio que patrocina a equipa, um senhor que treinava ao mesmo tempo que eu veio-me cumprimentar e dar os parabéns pela vitória no fim-de-semana. É uma cidade com 2 clubes na série A e o principal clube (L’Aquila Rugby) tem condições que muitos clubes de Futebol da 1ª divisão em Portugal não têm, para além de que está na luta pela subida à 1ª Divisão, onde já foi campeão algumas vezes.
. Tiveste de modificar algo no teu jogo para te dares melhor com a realidade italiana? Sentes uma diferença física entre os portugueses e italianos?
FGV. Felizmente não, apenas pequenos pormenores tácticos e colectivos, como já seria de esperar.
Sim, acho que o pack de avançados na sua totalidade é mais alto e mais pesado e nos 3/4s os centros é onde noto mais diferença, com centros fisicamente poderosos em todas as equipas contra quem já joguei.
. E neve, já treinaste nessas condições ou mesmo jogaste? As placagens são mais “geladas”?
FGV. Já sim, o meu primeiro treino de campo (uma semana depois de ter chegado) foi num sintético “emprestado” pelo principal clube da cidade (uma vez que o nosso campo estava congelado) e a cada passo que dava conseguia enterrar as chuteiras e ficar com neve até aos tornozelos! Diariamente treinamos com temperaturas entre os -2 e os 3 graus por isso, sim! as placagens são bastante mais geladas!
Lembro-me que num dos meus primeiros treinos no nosso campo, estavamos a fazer um treino de jogo ao pé e tive de dizer ao Treinador que não sentia os pés e que não conseguia chutar de tão frio que estava. Felizmente já me fui aclimatizando e agora, já não é tão difícil enfrentar o frio como nas primeiras semanas.
. A mudança para Itália como foi feita? Sentiste que aos 23 anos era altura de experimentares uma transferência para o estrangeiro?
FGV. Quase de um dia para o outro! Estava em contacto com um agente para a próxima época ter um experiência profissional no estrangeiro e de um momento para o outro esse mesmo agente disse-me que havia um clube em Itália que precisava de um jogador com as minhas características, e perguntou-me se podia começar a negociar a minha vinda, após alguma consideração disse-lhe que sim e em 3 dias estava tudo tratado.
Sempre tive o bichinho de ser atleta profissional, como muitos miúdos portugueses, obviamente começou por querer ser futebolista, contudo a vida levou-me para o rugby e desde aí que sempre gostei de levar o rugby talvez um bocado mais a sério do que o “normal”, mas sem nunca esquecer os estudos (tenho uma licenciatura em Desporto e Educação Física e estava no 2º ano de Mestrado em Treino de Alto Rendimento Desportivo).
Sempre acreditei que antes de tentar um experiência profissional, deveria ter um curso superior e conseguir alguma afirmação em Portugal que passava por representar a seleção. Nunca consegui chegar às seleções jovens, mas, sem nunca desistir, fui treinando, pedindo ajuda a treinadores e pessoas ligadas ao desporto, fui aprendendo e treinando ainda mais, e assim fui dando pequenos passos e alcançando pequenas vitórias até alcançar um dos Principais objectivos: Representar a Seleção Nacional.
Todo esse processo só aliementava ainda mais o bichinho e me ia dando mais e mais vontade de ter uma experiência profissional. Depois de já ter representado a seleção e ter um curso superior, tinha a minha autorização para tentar uma experiência no estrangeiro e então começei a ver o que era preciso fazer e como fazer e neste processo inicial tive uma enorme ajuda do meu Tio que é Agente de Futebol.
. E o teu CDUP, sobrevive sem o Mini?
FGV. Nenhuma equipa depende de um só indivíduo e o CDUP não é diferente. Sempre foi uma equipa habituada a “perder” jogadores ou por questões de estudos ou por questões profissionais e mesmo assim nunca deixou de ser um histórico clube do rugby nacional. Sempre foi um clube que vai à luta independentemente das condições em que se apresenta e sem mim na equipa não vai ser diferente. Felizmente há muito talento no CDUP à espera de explodir, esperem para ver!
. A equipa da Cidade do Porto está em franco crescimento, concordas? Achas possível um apuramento para a fase final na próxima temporada?
FGV. Claro que sim, tem sido feito um óptimo trabalho alicerçado numa visão para o futuro e o ambiente jovem, positivo e ambicioso que se vive diariamente no CDUP só pode resultar em algo muito bom. Para além disso, somar alguns regressos importantes a uma geração jovem habituada a conquistas nas camadas jovens e que a cada dia se afirma mais e mais neste escalão, é uma receita muito boa para levar o CDUP a disputar novamente o campeonato nacional Sénior.
. Qual é o vosso segredo para o espírito de União que se vive entre as “tropas” do CDUP?
FGV. A incessante luta que enfrentamos diariamente para conseguir jogar rugby ano após ano. Isso faz com que tenhamos uma causa comum dentro e fora do campo dando real valor à citação de shakespeare “for he today who sheds his blood with me shall be my brother”, sentimos uma grande irmandade dentro da equipa desde muito cedo.
. Episódio mais caricato que viveste na equipa portuense?
FGV. Talvez quando era treinador dos sub-16, ainda muito jovem e inexperiente. Lembro-me que quis reprimir alguma acção ou atitude de um dos miúdos e a meio quando me calei e fiquei só com uma cara muito séria a olhar para eles, comecei a aperceber-me da expressão que tinha na cara e de que estavam todos, em silêncio, muito focados em mim.
Não consegui manter a postura e saiu-me um sorriso que imediatamente passou a riso incontrolável e que contagiou os miúdos e os outros treinadores que igualmente se começaram a rir! Foi um momento bastante engraçado!
. Como foi chegar à Selecção Nacional? Há mesmo aquele sentimento de orgulho, paixão e raça quando toca o Hino Nacional?
FGV. Lembro-me como se fosse hoje quando recebi a chamada a perguntar se estava disponível para ir a Hong Kong e para avisar em casa que ia estar do outro lado do mundo durante 2 semanas. Calmamente respondi que sim, claro que estaria disponível, agradeci a oportunidade e desliguei o telemóvel.
Mal desliguei o telemóvel saltei e berrei de alegria, como se estivesse num estádio de futebol e tivesse acabado de marcar um golo decisivo num derby que dava o campeonato à minha equipa. Acho que se ouviu no prédio todo “VAMOS!!!”. Liguei imediatamente às pessoas mais próximas com as notícias que sempre quis dar “Fui convocado para a seleção!!”.
Apesar deste momento de êxtase, a minha chegada à seleção e ao ambiente do CAR Jamor não foi de um dia para o outro. Tudo começou com uns treinos em Aveiro para a Seleção Nacional de Sevens Universitários no início de 2013, uma seleção que acabou por cair por terra, depois, no Outono de 2014 fui convocado para a Seleção regional de Sevens que, depois de alguns treinos, informaram-me que ia começar a treinar em Lisboa com Seleção Nacional de Sevens(SNS), azar dos azares no jogo imediatamente a seguir a receber essa notícia fracturei um osso no punho.
Contudo fui na mesma a Lisboa com uma tala na mão e fiz os testes físicos, falei com o Professor Tomaz Morais que me disse para não me preocupar que estavam atentos ao meu trabalho e quando recuperasse da lesão voltaria a treinar com a SNS. Assim foi. Recuperei o mais rápido que pude e voltei a treinar. No fim da época de 2014/2015 fui convocado para o GPS Lyon. Na época seguinte comecei a treinar com a Seleção Nacional de XV e em Novembro estreei-me em Hong Kong no 2º de 3 jogos.
A primeira vez que cantei o Hino em Hong Kong, estava constantemente a começar em falso porque a minha vontade era tanta que só queria começar a cantar. Mas sem dúvida que nunca hei de esquecer a primeira vez que cantei o Hino em Portugal, os arrepios pelo corpo inteiro! Falando por mim, cantar o Hino faz me sentir parte da história de Portugal e ao mesmo tempo é como uma justificação para todo o esforço que foi preciso para chegar ali, uma confirmação de que todo o sacrifício não foi em vão e valeu bem a pena.
. Gostaste mais de jogar no Campeonato da Europa ou preferiste estar no World Series dos 7’s?
FGV. É diferente, nos sevens pude jogar contra estrelas que só via na televisão, em cidades paradisíacas e em frente a 50 000 espectadores, e ter uma vida de jogador profissional, enquanto que no XV pude ter essa mesma vida, ou parecida, em Portugal, representar Portugal em Portugal, sentir o apoio dos adeptos português e cantar o Hino.
Em ambos tive a oportunidade de jogar lado a lado com grandes referências nacionais como o Vasco Uva, Diogo Miranda, Gonçalo Foro, Adérito Esteves, David e Diogo Mateus, Pedro Leal e por isso não posso dizer que preferi estar mais num sitio do que no outro, ambos foram experiências inesquecíveis e marcantes, pelas quais tudo vou fazer para repetir.
. Quando chegaste às selecções tiveste de conviver com algum colega de equipa que tinhas uma relação, diguemos, menos simpática no Campeonato Nacional?
FGV. Nunca fui pessoa de ter inimigos e muito menos de criar inimigos, dou-me bem com toda a gente!
. Chegaste a defrontar a Nova Zelândia, correcto? O que é a equipa pensa quando defronta uma equipa de topo dos World Series?
FGV. Acho que a magia dos Sevens está ai mesmo, apesar de haver equipas que geralemente tendem a ser mais fortes, num dia qualquer podem perfeitamente ser batidas, e em todos os torneios há uma “surpresa”, e isso é algo que está sempre presente no nosso pensamento, bem como a forma de jogar e os processos da equipa, o aproveitar a oportunidade ao máximo e representar Portugal o melhor possível.
. Achas que teremos a oportunidade de regressar a essas andanças? O que é nos falta para voltar a disputar as World Series?
FGV. A oportunidade estará sempre lá! Cabe-nos a nós, e só a nós, agarrá-la! Temos de ter essa fome de querer voltar! E temos de ter essa fome bem presente em tudo o que fazemos! Seja, no ginásio, na pista, no campo ou fora do campo! Temos de criar um projecto a médio longo prazo e nos orientar para esse objectivo, trabalhar nele diariamente, torná-lo uma obsessão.
. Saudades do Porto? Se pudesses escolher três coisas da Invicta para trazer para Itália o que seriam?
FGV. Sempre! Sou um Tripeiro muito orgulhoso!
Da cidade em si, trazia sem dúvida o Mar e o Parque da cidade e talvez o estádio do Dragão (risos)!
. A quem deves o teu “carinho” pelo rugby? Tens algum episódio marcante com a modalidade?
FGV. Acho que o meu “carinho” pelo rugby deve-se, aos grandes treinadores que foram passando pelo meu percurso formativo, por toda a dedicação, conhecimento, amizade e valores que foram transmitindo, aos amigos que fui criando em todas as equipas e ao tão característico espírito do rugby. Sempre senti que a minha personalidade se encaixa perfeitamente com aquilo que é este desporto.
Episódios marcantes tenho vários! Bons e maus! Felizmente são tantos que não consigo ter só um, como o primeiro treino no CDUP, as tantas e inoportunas lesões, as viagens de camioneta pelo CDUP, os campeonatos e taças conquistadas, os jantares de equipa, o primeiro jogo nos séniores, a primeira vez que fui capitão nos sub-16 e a única vez que capitaneei os séniores do CDUP num jogo de sevens, a primeira internacionalização e o primeiro ensaio por Portugal, o primeiro torneio com a SNS, os 2 primeiros torneios nas World Rugby Seven Series, o Safari Sevens onde tive a honra e o orgulho de ser capitão, inúmeras memórias marcantes que só uma família como a do Rugby me poderia passar. No fundo o rugby teve um grande impacto em mim e se me pedirem para escolher um episódio marcante, não consigo, felizmente, são demasiados!
. Ficas por Itália mais quantos meses ou tencionas voltar para Portugal em Junho? Foste só “desportivamente” ou também houve uma motivação profissional?
FGV. O meu contrato com a Gran Sasso Rugby acaba no fim desta época mas a minha experiência profissional é para continuar.
. Que mensagem queres deixar aos nossos leitores do Fair Play, à tua família, amigos e comunidade do rugby Nacional?
FGV. A principal mensagem é de agradecimento a todos aqueles que apoiam o Rugby e são fulcrais no desenvolvimento da nossa modalidade!
Continuem a apoiar e viver intensamente o nosso Rugby e façam-no chegar ao maior número de pessoas possível! Dentro ou fora de campo, todos temos um papel a desempenhar no desenvolvimento da modalidade em Portugal.
Quero especialmente agradecer a todos aqueles que me são mais próximos, nomeadamente Família, Namorada e amigos por todo o apoio, motivação e acima de tudo paciência e compreensão!
One comment
Carlos Carta
Abril 13, 2017 at 7:34 am
Parabéns por viver o Sonho. Um abraço.