Maus resultados, escassez de talento e, sobretudo, uma falta de identidade preocupante. As equipas de formação de Itália atravessaram um período bastante negativo na viragem da década e nos anos que se seguiram, o que fez surgir uma necessidade incontornável de reestruturação. Tão importante como o trabalho federativo é o contributo dado pelos clubes, que se começa a reflectir nas gerações que agora evoluem. Há talento espalhado por todos os emblemas da Serie A, campeonato do passado que ano após ano se coloca como um campeonato de futuro.
À selecção de sub-21, que já garantiu a presença nas meias-finais do Euro, ninguém fornece mais jogadores do que a Atalanta, que conseguiu um notável quarto lugar no Calcio. Com toda a naturalidade, o seleccionador Luigi Di Biagio convocou quatro jogadores dos nero blu (Grassi esteve emprestado pelo Nápoles), aos quais se pode juntar Roberto Gagliardini, transferido para o Inter em Janeiro mas com formação feita no clube. O sucesso desta Squadra Azurra deve-se, em boa parte, à aposta frutífera do emblema de Bérgamo.
Mattia Caldara, já contratado pela Juventus, foi um dos centrais em evidência no futebol europeu na última temporada e mantém o nível elevado ao serviço da selecção. Fazendo parelha com Rugani, possivelmente o seu futuro companheiro em Turim (e que dupla será!), o jovem da Atalanta tem sido praticamente intransponível, liderando o sector defensivo com enorme personalidade. Ficou no banco na segunda jornada e, por coincidência ou não, a Itália foi derrotada pela República Checa. Tem apenas 23 anos, mas reúne todas as características para vir a ser uma referência na posição. Muito concentrado sem bola, lendo e antecipando, destaca-se pelo que oferece ofensivamente, tanto no passe como em condução (ficou na retina o túnel a Dahoud). As bolas paradas são outro capítulo em que faz a diferença, tendo marcado uns incríveis 7 golos na Serie A.
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O entendimento eficaz de Caldara com Andrea Conti resulta das rotinas que foram criando ao longo da temporada. Tal como no clube, o lateral-direito da equipa projecta-se constantemente, sendo um dos principais receptores das bolas longas do central. Habituado a jogar como ala na Atalanta, devido ao sistema com três centrais, Conti é um autêntico cavalo de corrida no flanco, impressionando pela resistência com que executa o vaivém. Não sendo muito refinado, é um jogador com competências técnicas ao nível da recepção e do passe e explora o jogo interior com inteligência. Para o confirmar surge um registo assinalável de 8 golos apontados na Serie A, que o coloca como o segundo melhor marcador da equipa. Defensivamente, apesar de ter algumas lacunas ao nível do posicionamento, é forte a reagir à perda e muito agressivo em todos os duelos que disputa. Ao que tudo indica vai fazer parte do novo projecto do AC Milan, com a Atalanta a encaixar cerca de 25 milhões de euros.
Desta geração, Roberto Gagliardini foi o primeiro a cativar o interesse de um dos maiores clubes da Serie A. Emprestado pela Atalanta ao Inter, que tem opção de compra do passe, o médio conquistou rapidamente o seu espaço no Giuseppe Meazza e pode tornar-se um dos principais rostos do conjunto de Spalletti. Sempre de cabeça levantada, dá muita fluidez à saída de bola na construção, ora procurando o passe vertical a queimar linhas, ora variando o centro de jogo em busca do homem livre. Contra a Alemanha fê-lo de forma exímia, assinando uma exibição para mostrar como cartão de apresentação. Além do que ofereceu com bola, permitiu que a equipa pressionasse em zonas adiantadas, dando cobertura aos interiores Pellegrini e Benassi. Um ‘6’ bastante culto tacticamente.
Outro dos aspectos decisivos para o triunfo italiano sobre os alemães foi a presença de Bernardeschi como falso 9, que acrescentou agressividade à primeira fase de pressão e condicionou a saída de bola do adversário. Andrea Petagna, titular nos dois encontros anteriores, perdeu o lugar na última partida, mas certamente não perdeu a confiança de Luigi Di Biagio. É, juntamente com Andrea Belotti, um dos pontas-de-lança italianos mais cotados, apesar de o registo de golos na Serie A não impressionar (apenas 5). Formado no AC Milan, encontrou em Bérgamo um espaço de afirmação e tornou-se uma peça indispensável para Gasperini. Mesmo sem marcar muito, é sempre a referência nas bolas longas e a sua presença entre os centrais impõe respeito. Não tem grande mobilidade mas associa-se facilmente, oferecendo apoios frontais constantes e aproveitando a capacidade de jogar de costas para a baliza, talvez a sua principal qualidade. Segura ou entrega ao primeiro toque (sobretudo com o pé esquerdo, o seu preferido), aspecto em que também é forte. Com as características que possui, será difícil que a próxima época não traga mais golos a Petagna.
Vender ou manter: o dilema da Atalanta
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A concentração de jovens promissores ajuda a explicar o surpreendente quarto lugar da Atalanta. Não tendo o poderio financeiro de outros emblemas, os nero blu vão apostando de forma continuada na sua formação e têm tirado bastante proveito desse investimento, não só pelos resultados desportivos mas também pela extrema valorização dos seus activos. Agora, depois de uma época tão bem sucedida, o dilema está em vender ou tentar manter a base da equipa, o que parece difícil face ao assédio de vários clubes.
Os objectivos iniciais eram os de sempre: assegurar a manutenção rapidamente e tentar terminar na metade superior da tabela. Não haveria argumentos para melhor do que isso, poderia pensar-se. Mas Gian Piero Gasperini, treinador que guiou a Atalanta nesta época brilhante, aproveitou a vontade de afirmação de vários jogadores que se tinham destacado na Serie B e construiu uma equipa capaz de vingar na Serie A.
Todos os jogadores que fazem parte da selecção de sub-21 deram provas de valor no competitivo escalão secundário de Itália. Conti passou pelo Perugia e pelo Virtus Lanciano, ganhando o bilhete de volta para Bérgamo. Caldara foi um dos destaques do Cesena em 2015/16, já depois de ter representado o Trapani. Petagna, apesar de só ter 21 anos, jogou no Latina e no Vicenza, antes de uma época excelente ao serviço do Ascoli. Também Gagliardini esteve cedido, juntando ao currículo as passagens pelo Cesena, pelo Spezia e pelo Vicenza. Mérito para a Atalanta, que soube gerir da melhor forma a transição para seniores das suas principais promessas.
Além dos jovens italianos, Gasperini contou com o contributo importante de nomes como Franck Kessié, médio costa-marfinense que já se mudou para Milão, Jasmin Kurtic, desequilibrador esloveno com boa chegada à área, e sobretudo Alejandro ‘Papu’ Gómez, que fez a melhor temporada da carreira. Criativo, tecnicista e com golo (apontou 16 no campeonato), o argentino aproveitou bem o facto de Petagna fixar os centrais para ter mais espaço em zonas de perigo. Um dos melhores jogadores do último Calcio.
Pouco habituada às andanças europeias, a Atalanta terá em 2017/2018 o desafio de se manter competitiva em várias frentes. Já se percebeu que será difícil segurar a espinha dorsal da equipa, pelo que a chave do sucesso estará no critério com que o clube vai atacar o mercado. Fazer muito com pouco foi o lema desta temporada mas, continuando assim, em breve deixará de ser. Para já, é preciso provar que 2016/2017 não foi um episódio único.